Em vez de complementar o SUS, planos privados ocuparam o lugar de planos básicos; com contas apertadas, parte das operadoras não deve sobreviver à crise
Ao longo dos anos, os planos de saúde privados foram ocupando um lugar que, constitucionalmente, não é deles. De acordo com a lei, eles deveríam atuar de forma suplementar ao SUS, mas, ao contrário, foram transformados em planos básicos, praticamente universais, inclusive com a obrigação de indenizar o SUS quando seus segurados forem atendidos pela rede pública. É um absurdo, mas é Brasil. Tanto faz a Constituição dar a todos o direito de ter acesso a saúde universal e gratuita, oferecida pelo Estado.
O governo não faz sua parte. Vemos nos noticiários que nem o dinheiro para o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus zika foi repassado ao Instituto Butantã. Não tem vacina contra boa parte das epidemias, nem medicamentos para tratamentos fundamentais para a população. A rede pública está desabastecida; a incompetência, a politicagem e a corrupção mantêm hospitais fechados e postos de saúde sem pessoal.
Os recursos públicos são insuficientes e representam perto de 40% do total alocado na saúde. Os outros 60% são injetados pelas operadoras privadas, que atendem apenas um quarto da população.
Os planos de saúde privados estão submetidos a uma lei ruim, que os condena inexoravelmente à morte. Votada com o fim de eleger um presidente da República, se mostrou um tal desastre que, menos de 24 horas após sua votação, foi alterada em mais de 80% para tentar fazer funcionar um sistema que, no longo prazo, ela inviabiliza.
Entre planos médico-hospitalares e odontológicos, as operadoras privadas atendem hoje mais ou menos 70 milhões de pessoas. O resultado disso pode ser visto nos hospitais particulares brasileiros, especialmente nos de ponta. Eles são o que são graças aos planos de saúde privados, que pagam contas astronômicas para o atendimento de seus segurados.
De acordo com a Fenasaúde, a federação que representa as seguradoras e parte das assistências médicas, os planos autorizam 3 milhões de atendimentos por dia, e 83% de seu faturamento é destinado a cobrir esses custos. Somados aos custos comerciais e administrativos, a conta fica bastante apertada, quando não deficitária, como vem acontecendo em várias operadoras.
Do total aproximado de 1,2 mil operadoras de planos de saúde privados (seguradoras, assistências médicas, cooperativas e autogestões), no final da crise, parte não deve sobreviver e outra parte deve sair bastante enfraquecida, o que é péssimo para o Brasil. A conta do SUS se agravar ainda mais, pois terá que atender milhares de ex-segurados de planos de saúde, ao mesmo tempo em que o faturamento das operadoras sofrerá uma queda, em função da redução do número de segurados, com a consequente redução do total de dinheiro injetado no sistema.
Os planos de saúde privados se baseiam no mutualismo para fazer frente aos custos do atendimento. Quer dizer, um grande número de pessoas paga pouco para ter a proteção, enquanto um pequeno grupo recebe muito por usar a proteção. Isto acontece através de um fundo, composto pelas contribuições dos segurados. Os cálculos para manter uma operadora estável são complexos, mas exatos. Não adianta fazer média e tentar limitar os reajustes de preços à inflação oficial. Normal
mente, os custos do atendimento à saúde têm aumentos mais elevados. Fazer isso é, a longo prazo, quebrar a operadora ou, pior ainda, condenar parte da população a não ter plano, como aconteceu com os planos individuais, hoje quase impossíveis de serem contratados porque o preço autorizado pelo governo não cobre os custos reais.
Mas não é só o Poder Executivo que inviabiliza os planos privados. O Judiciário tem comprometido o futuro de milhares de pessoas mandando pagar o que não tem cobertura. O resultado é o desequilíbrio do plano e a necessidade da sua readequação, através do aumento das mensalidades dos demais segurados. Se a readequação não for possível, o pagamento sem cobertura poderá estar retirando do bom segurado a chance de usar seu plano quando necessitar dele.
Os planos de saúde privados estão submetidos a uma lei ruim, que os condena inexoravelmente à morte.
Fonte/Autor por: Antônio Penteado Mendonça/Jornal Estado de São Paulo