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Quem depende de SUS tem três vezes menos médicos que usuário de plano

É três vezes mais fácil encontrar um médico no setor privado do que no Sistema Público de Saúde (SUS). A confirmação dessa hipótese está na segunda parte do estudo Demografia Médica, realizado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) com apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), lançado ontem, na capital paulista.

O levantamento revelou que 21,6% dos médicos trabalham apenas no setor público, enquanto 26,9% estão exclusivamente no setor privado. Como há sobreposição – 51,5%, dos médicos atuam concomitantemente nas esferas pública e a privada – pode-se afirmar que 78,4% dos médicos têm vínculos com o setor privado e 73,1%, com o setor público.

No entanto, o suposto equilíbrio numérico de médicos no público e no privado, precisa, no entanto, ser relativizado. É imensa a desigualdade de concentração dos médicos a favor do setor privado, se consideradas as populações cobertas pelo Sistema Único de Saúde (75% da população utilizam exclusivamente o SUS) e pela assistência médica suplementar (25% da população, além do direito ao SUS, têm plano ou seguro de saúde).

Em 2014, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tinha 201.032.714 habitantes. Em junho de 2015, de acordo com os números da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os clientes de planos de saúde eram 50.516.992. Os demais 150.515.722 de brasileiros recorrem exclusivamente ao SUS. Assim, em nível nacional, a população atendida pela assistência médica suplementar tem aproximadamente três vezes mais médicos à sua disposição que a população atendida pela rede pública.

As desigualdades público-privado podem assumir expressão ainda mais alarmante em diferentes regiões brasileiras e entre especialidades médicas. Acrescenta-se o fato de que o estudo mostrou maior concentração de médicos especialistas no setor privado. A forte atuação de especialistas em consultórios particulares contrasta com a baixa presença de médicos nos serviços de atenção secundária e especializada do SUS.

A pesquisa também analisou outras variáveis acerca das diferenças entre os setores público e privado. No geral, no setor privado há mais homens, com idade média alta (52 anos), com rendimentos mais elevados. Já o setor público concentra mais mulheres e os jovens, com rendimentos mais baixos. Apenas 17,4% dos médicos com mais de 60 anos atuam no setor público. Já 40,1% dos profissionais com até 35 anos servem no SUS, contra 18,7% nesta faixa etária que atuam no setor privado. Os homens são maioria no grupo que trabalha concomitantemente nos dois setores. Já as mulheres são maioria na esfera pública (52,7%), contra 47,3% dos homens, que também são predominantes no setor privado (64%). Entre as regiões, o Nordeste é a que tem mais médicos no setor público e em ambas as esferas do que apenas no setor privado.

Os médicos que atuam apenas no setor privado ou em ambos os setores ganham mais do que aqueles atuantes apenas no SUS. Dos médicos que trabalham no setor público, 37,8% ganham menos de R$ 8 mil mensais. Esta porcentagem cai para 21,8% entre aquele que atuam apenas no setor privado e para 11,8% entre os que trabalham nos dois setores.

Apenas 6,2% dos médicos que atuam exclusivamente no SUS estão na faixa salarial acima de R$ 20 mil. Já entre os médicos que atuam apenas na iniciativa privada ou nos dois setores, esse percentual sobe para 24%. A grande maioria dos profissionais que atuam no setor público – 84,5% – tem dois vínculos empregatícios. Entre os profissionais do setor privado, 27,1% têm dois empregos.

Entre os médicos que trabalham exclusivamente no setor público, 6,8% têm carga horária de 20 horas semanais; 39,4% trabalham de 40 a 60 horas e 19,8%, 60 horas ou mais. Entre aqueles que atuam exclusivamente no setor privado, os percentuais são 13,8%, 40,3% e 13,6% para as mesmas cargas horárias. Entre aqueles com atuação nos setores público e privado, 46% trabalham de 40 a 60 horas semanais e 47,5% mais de 60 horas por semana.

Os pesquisadores também questionaram se, dadas as mesmas condições salariais e de infraestrutura, os médicos prefeririam trabalhar nos setores público ou privada. A maioria, 58,2% disse que optaria pelo o SUS, contra 41,8% que escolheriam o setor privado. As mulheres (63,2%), os nordestinos (64%) e os médicos com até 35 anos (62,2%) são os perfis pesquisados que demonstraram uma maior preferência pelo setor público.

Mais da metade dos médicos (51,5%) que atuam no setor público trabalham em hospitais, sendo 33,3% em estabelecimentos públicos de administração direta ou sob a gestão de Organizações Sociais, 14,2% em hospitais universitários e 11,7% em Santas Casas ou entidades filantrópicas.

Depois dos hospitais, os médicos do Sistema Único de Saúde servem em serviços de atenção primária em saúde (23,5%), que são as unidades básicas e o programa Saúde da Família e, por fim (4,8%) trabalham em serviços de atenção secundária e especializada, que são os ambulatórios de especialidade, UPAS, CAPS, entre outros.

Já entre os médicos que atuam no setor privado, o lugar de trabalho mais frequente é o consultório particular (40,1%), tendo o hospital privado como segunda opção (38,1%). Os outros locais são a clínica ou ambulatório privado (31,1%), universidade privada (5,3%), serviço médico de empresa (4,8%) e laboratórios e serviços de diagnose e terapia (1,8). Há ainda uma parcela de 2,2%, tanto no setor público quanto no privado, que citou outros locais, como cargo em indústria farmacêutica ou auditoria do INSS.